Uma etapa plana a meio da 3ª semana de uma Grande Volta. É um sprint em pelotão compacto assim tão garantido quando praticamente metade do pelotão vê nesta tirada uma última oportunidade para uma vitória em etapa?

 

Percurso

Em teoria, a derradeira oportunidade para os sprinters parte de Borgo Valsugana para terminar em Treviso 151,8 quilómetros depois. Os primeiros dois terços da jornada são os mais acidentados, existem duas curtas contagens de montanha e outros quatro pequenos topos mas que não devem fazer mossa ao pelotão. A haver implicações na corrida, será no Muro di Ca’del Poggio (1100 metros a 11,3%), que termina a 49 quilómetros do final.

A partir daqui o terreno é sempre plano e muito rapidamente os ciclistas chegarão a Treviso, onde darão uma volta, depois da primeira passagem pela meta a 10 quilómetros da meta. Olhando para os quilómetros finais, entre os 4200 e 1200 metros para o fim há 3 curvas mais apertadas, antes de uma longa e larga reta da meta, perfeita para um sprint em potência.

Táticas

No papel é uma etapa para sprinters, mas achamos que esta avaliação não pode ser tão linear. É preciso ver o contexto em que estamos, no final de um Giro muito duro em que especialmente as últimas 3 etapas causaram um desgaste enorme no pelotão. Vemos a facilidade com que um grupo fica despedaçado nas subidas, ninguém tem grande poder de explosão. Isto aumenta exponencialmente as hipóteses de uma fuga resultar, os ciclistas da geral, a maioria dos ciclistas mesmo, quer um dia bem mais tranquilo, que permita fazer alguma recuperação para as últimas 2 etapas de montanha.




Por outro lado, os sprinters não ficaram no Giro e não sofreram nos últimos dias só para cumprir calendário, especialmente aqueles que ainda não ganharam ou estão fora da luta pela Maglia Ciclamino. Ewan, Ghirmay e Nizzolo já foram para casa, restam Gaviria, Cavendish, Demare, Bauhaus e Consonni, dos nomes mais sonantes. Destas equipas só a UAE Team Emirates e a Cofidis não ganharam, serão aquelas que terão mais vontade para perseguir uma fuga, mas os franceses não têm grande poder de fogo e a equipa de João Almeida ainda está a lutar pelo pódio à geral. A Bahrain também está nessa luta e resta portanto a Quick-Step e a Groupama-FDJ, talvez com a Team DSM a dar uma ajudinha agora que não tem Bardet na luta pela geral.

Estas 2 formações vão perseguir, só que têm de estar reunidas as condições para tal, uma fuga de 5/6 elementos, maioritariamente nomes mais desconhecidos, que seja relativamente fácil de controlar. A subida do Muro di ca del Poggio está a receber muita atenção, a Alpecin-Fenix até pode tentar alguma coisa aí, mas não cremos que possa sair daí muito, a não ser que se junto um grupo selecto na frente. Mesmo nesse caso, se as equipas dos sprinters ficarem com as tropas juntas, podem perseguir e anular até à meta. A chave serão os 22 kms até à contagem de montanha de 4ª categoria, se a fuga não estiver definida até aí será muito mais difícil “escolher” quem sai ou não sai, caso haja interesse para isso.

Olhando para a história estas etapas resultam quase sempre para a fuga. Vamos aos exemplos, etapa 15 em 2021, fuga de 15 elementos com 17 minutos sobre o pelotão, ganhou Campenaerts. Etapa 19 em 2020, este é o mais escandaloso, jornada completamente plana, fuga de 14 elementos com 11 minutos sobre o pelotão, ganhou Josef Cerny. Etapa 18 em 2019, tirada plana, ganhou Damiano Cima, o último resistente da fuga, com o mesmo tempo do pelotão. Etapa 17 em 2018, a excepção à regra, sprint entre 90 elementos, ganhou Viviani. Etapa 17 em 2016, etapa plana, sprint em pelotão compacto, ganhou Roger Kluge. Concordamos com a estatística, amanhã é um dia em que consideramos que há uma probabilidade de 50/60% da fuga resultar.

Favoritos

Um nome que pode estar em ambos os cenários e que até pode sobreviver a uma selecção feita no Muro do Poggio é Simone Consonni. O italiano tem uma vasta experiência em Grandes Voltas, no ano passado houve 2 grandes fugas em média montanha na última semana, Consonni esteve em ambas e fez top 5 em ambas. É um corredor cada vez mais completo, o facto de até passar relativamente bem a montanha comparativamente a outros sprinters torna-o mais perigoso.




Uma jornada destas é propícia a ciclistas poderosos, que tenham um bom motor. Dries de Bondt vai ter plena liberdade para entrar na fuga e o belga é um especialista nessa arte. Para além disso é alguém que sprinta muito bem em grupos reduzidos, capaz de se imiscuir no top 10 de sprints massivos. Muito mais completo do que parece, é um corredor subvalorizado.

Outsiders

No cenário de um sprint em pelotão compacto claramente Arnaud Demare é um dos fortes candidatos. O ciclista francês quer coroar com chave de ouro um Giro incrível e a Groupama-FDJ tem estado sempre com ele nas etapas de montanha com excepção a Attila Valter. Isto dá outra confiança e outro conforto, vamos ver se a equipa tem vontade de assumir novamente as rédeas do pelotão e de fazer mais um incrível comboio para Demare.

Fernando Gaviria tem estado tão perto e tão longe das vitórias ao mesmo tempo, a frustração é evidente, também entre ele e o seu lançador Max Richeze, como se viu na última chegada. Para Gaviria o melhor seria obviamente conseguir livrar-se de Demare e Cavendish, algo que é possível no Muro do Poggio, o problema é manter os seus rivais para trás aí. Não seria a primeira vez que integraria a fuga.




Os triunfos passados em etapas deste género indicam-nos um ciclista experiente e que sabe muito bem o que está a fazer. Para além disso tem de ter um motor muito grande. Edoardo Affini já deu nas vistas neste Giro e tem estado um pouco apagado, se calhar a pensar nesta etapa. Até não tem uma má ponta final, é um excelente rolador e contra-relogistas e já em 2021 esteve muito perto de enganar os sprinters numa etapa plana.

Possíveis surpresas

Até agora tem sido um Giro de relativa desilusão para Andrea Vendrame, que também não encontrou uma etapa perfeita para ele na medida do tamanho do grupo em que está inserido. Sabe que tem de estar na fuga para poder celebrar e tentar salvar o Giro da Ag2r. Mark Cavendish não terá vida fácil, terá de esperar por um dia relativamente calmo para ter hipóteses e mesmo aí não tem mostrado as melhores pernas nos últimos sprints. Ainda mais complicado agora sem Michael Morkov. Phil Bauhaus parece estar a acabar o Giro em grande forma e caso haja um sprint em pelotão compacto é um dos maiores perigos, mas precisa de alguma sorte, primeiro precisa desse sprint e segundo precisa de uma boa colocação sem grande ajuda. Alberto Dainese já surpreendeu uma vez e vai tentar repetir a façannha para mostrar que não foi um acaso, mas o corpo do italiano não está muito habituado a estas fases de Grandes Voltas. Edward Theuns é outro bom candidato ao top 5, o belga também passa bem as subidas. Vamos ver qual é o plano da Alpecin-Fenix, já aqui referimos Dries de Bondt, mas a equipa também tem Mathieu van der Poel, que pode mexer na subida a 50 kms da meta, e Stefano Oldani, outro ciclista com boa ponta final. Hugh Carthy bem tem tentado salvar a honra da EF, amanhã é dia de Magnus Cort vem o que consegue fazer, até porque não só o terreno é bom para o dinamarquês, mas também porque parece estar a subir de forma, hoje esteve estranhamente com o grupo dos favoritos muito tempo. A Israel-Premier Tech tem aqui uma oportunidade de ouro para tentar conquistar um triunfo em etapa, Alessandro de Marchi e Rick Zabel serão as melhores cartas para jogar, têm de colocar todas as cartas em cima da mesa amanhã. Outros nomes fortes para uma fuga amanhã seleccionamos Nans Peters, Pascal Eenkhoorn, Davide Gabburo, Bert van Lerberghe, Francesco Gavazzi e Matteo Sobrero.

Super-jokers

Os nossos super-jokers são Davide Ballerini e Ignatas Konovalovas

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