Está na hora da prova rainha destes Mundiais! Os elites masculinos vão para a estrada na próxima madrugada na luta pela camisola do arco-íris. Quem sucederá a Julian Alaphilippe?

Percurso

267,5 quilómetros é o que espera os ciclistas para a decisão do título mundial! Ao contrário de todas as outras provas masculinas, os ciclistas partem fora do circuito, em Helensburgh, com a primeira dificuldade a estar situada ao quilómetro 34. O Mount Keira (7,5 kms a 5,7%) poderá fazer as primeiras vítimas, uma subida longa ainda numa fase muito inicial da corrida.



Rapidamente os ciclistas chegam a Wollongong, onde darão 12 voltas completas ao circuito. O circuito tem pouco mais de 17 quilómetros e é composto por duas subidas. A primeira é o Mount Ousley (600 metros a 7%), subida essa que já foi passada nas provas de contra-relógio. Esta subida fica a 9500 metros do fim e nem há tempo de descanso porque logo de seguida aparece o Mount Pleasant.

A grande dificuldade destes Mundiais, onde se podem fazer diferenças! Apenas 1100 metros mas com uma inclinação média de 8,6%. O Mount Pleasant é bastante irregular, passa de partes suaves para paredes autênticas. O início é acessível, seguindo-se 200 metros com rampas acima dos 10% e com zonas a 17%. Depois há 400 metros a 7,5%, antes de nova parede a 17%, mesmo a terminar a subida.

Quem pensar que as dificuldades já terminaram vai ficar desanimado pois 300 metros após ultrapassado o Mount Pleasant surgem 100 metros a 10% que podem doer muito. Restam 8 quilómetros muito rápidos, 3 deles em descida e 5 em plano. À entrada do quilómetro final existe uma pequena inclinação que pode servir para ataques. O final é técnico, tem uma chicane nos últimos 350 metros, antes da curta reta da meta com pouco mais de 250 metros.

 

Tácticas

Uma análise global ao percurso diz-nos que tem cerca de 4100 metros de acumulado, um número que na teoria é demasiado elevado para os sprinters, tanto que são poucos os que aqui estão. No entanto, são as condições e os ciclistas que fazem a corrida, na Bélgica nem 2300 metros de desnível havia e o pelotão chegou desfeito. Em termos de perfil este Mundial é relativamente parecido com o de Bergen pela subida do circuito final e pela extensão do circuito, o desfecho de sprint entre 30 ciclistas é que não é muito provável. Será uma corrida de desgaste, como sempre, e os números do grupo dianteiro na última volta devem rondar mais os do Mundial de Harrogate, ganho por Mads Pedersen. Este também é um circuito bastante sinuoso, com algumas pequenas rampas onde se podem lançar ataques fulminantes.



Das provas todas disputadas até agora podemos retirar mais conclusões dos sub-23, foi a corrida mais organizada, comum e parecida em termos de distâncias e tácticas. Tal como nos juniores, ganhou um ataque final num sprint a 2, e tanto Fedorov como Herzog são corredores tremendamente poderosos e possantes, a parte final pede isso mesmo. A chuva tem feito as corridas ainda mais selectivas, juntamente com as pendentes da subida do circuito, mas no Domingo prevê-se tempo e estradas secas, o que não contribui para que haja tantas pequenas diferenças e recuperações nas descidas, algo que diminui o desgaste. Isso deve assustar aqueles que querem uma corrida endurecida, é que olhando para o grupo dianteiro nos sub-23 estavam lá sprinters como Paul Penhoet, Samuel Watson, Olav Kooij e Pavel Bittner.

O que há de diferente em relações aos outros escalões? A adição do Mount Keira, que está logo nos primeiros quilómetros. Não acreditamos que alguém faça algum ataque aí, mas não seria uma surpresa ver uma selecção poderosa a impor um ritmo um pouco mais elevado para acumular desgaste. Vamos agora tentar ver o que as selecções mais numerosas podem fazer:

Austrália – A carta a jogar é Michael Matthews, só que Matthews não só não tem obtido grandes resultados ultimamente como também claramente já se viu que não está com a veia vitoriosa a bombar sangue. A estratégia deve ser resguardar ao máximo o seu sprinter e utilizar ciclistas satélite (como O’Connor, Schultz, Plapp ou Clarke) para marcar elementos e grupos perigosos, onde estes corredores vão colaborar pouco.

Bélgica – Polémica em 2021 em casa, será que desta vez vai correr melhor? Parte da selecção é a mesma, pelo menos os líderes são os mesmos. Wout van Aert será o maior favorito de muitos pelos vários cenários em que pode ganhar, mas será também o ciclista mais marcado deste pelotão e ninguém vai querer trabalhar com ele num grupo. Remco Evenepoel provou no contra-relógio que ainda tem algumas pernas, suficiente para uma corrida com mais de 260 kms é que vamos ver. Parte com a co-liderança e deve ter um papel mais disruptivo e ofensivo, com ataques entre os 40 e 60 kms para o final porque tem uma má ponta final e se lhe dão uma boa vantagem já dificilmente o apanham. Este endurecimento não é propriamente mau para van Aert, desde que não persiga directamente o seu colega. Veremos como a Bélgica encara esta prova, vai ser impossível controlar a corrida toda, se os ataques começaram a 100 kms da meta o mais provável é começarem a incorporar ciclistas como Serry ou Hermans.



Colômbia – Nunca foram grande factor nos Mundiais, não vai ser neste. Molano vai rezar para uma corrida pouco atacada e selectiva, é o colombiano mais em forma.

Dinamarca – Esta Dinamarca dá ares da Polónia quando Kwiatkowski foi campeão mundial, podem perfeitamente ser a grande surpresa da prova e têm equipa para isso, mesmo sem Mads Pedersen. Resta saber quem serão os ciclistas mais protegidos, parece-nos que Mikkel Honoré e Magnus Cort poderão ter esse estatuto. O traçado é perfeito para um todo o terreno como Cort, mas o ciclista da EF Education First tanto obtém uma grande vitória como se eclipsa, é Honoré quem dá mais garantias pelo que vimos no Canadá. Ainda há 2 nomes a considerar, Mattias Jensen e Alexander Kamp. A estratégia tem de ser eliminar os primeiros gregários das selecções mais poderosas e depois lançar ataques à procura de um grupo que seja vantajoso, sendo que todos os 4 nomes mencionados têm boas pontas finais e fizeram boas exibições recentemente.

Alemanha – Não os vemos a serem um factor relevante nesta corrida tacticamente, Nikias Arndt deverá ser o elemento mais perigoso.

Reino Unido – Uma selecção relativamente subvalorizada, mas que tem o potencial de ser perigosa. Vamos desde já retirar da cogitação Ethan Hayter, alguém que se coloca habitualmente tão mal não tem chances num circuito destes e Jake Stewart, duro demais para ele. Questionámos a capacidade física de Fred Wright na Vuelta e o britânico veio provar que estávamos errados, fez uma Volta a Espanha fenomenal e vem cheio de vontade para um traçado que lhe assenta muito bem e beneficia ciclistas ofensivos. Não seria uma surpresa que alguém como Ben Turner tentasse arrancar de longe.

França – Uma selecção repleta de incertezas, mas que costuma partir para a corrida com um plano muito particular. Pode correr na perfeição como na Bélgica ou descambar como em Innsbruck. Alaphilippe parece manifestamente longe do seu melhor nível e Cosnefroy foi chamado à última hora depois do brilharete no Canadá, algo que parece ter sido feito porque Alaphilippe não dá garantias. O francês dá tudo pela sua pátria e pelos seus colegas, pode ser usado como isco para Cosnefroy ou…Madouas, que pode culminar uma grande época em beleza. Laporte pode funcionar como marcado directo de Wout van Aert na tentativa de esperar por um sprint em grupo reduzido.

Espanha – Os “nuestros hermanos” repletos de segundas linhas tinham pensado em Juan Ayuso, mas vêm com Ivan Garcia Cortina, que até se adapta muito bem a este traçado, alguém pesado, poderoso e que consegue passar colinas. A estratégia deverá ser a mesma da Austrália, enviar Prades ou Soler a marcar ataques, enquanto o sprinter vai o mais confortável possível.



Itália – Daqueles selecções que pode decidir o Mundial tacticamente devido ao poderio que tem, diríamos mesmo que tem a faca e o queijo na mão, a par da Bélgica. As principais opções são claramente Alberto Bettiol, Andrea Bagioli (surpreendentemente bem em Montreal) e Matteo Trentin (excelente na Volta ao Luxemburgo), todos eles são ciclistas com boa ponta final, agora nenhum deles estará confiante em bater van Aert num sprint, essa é a questão. Destes 3 elementos aquele que mais garantias dá pela experiência e consistência em grandes momentos é Trentin, aquele que mais se aproxima de grandes vitórias é Bettiol e o que tem maior potencial global por descobrir é Bagioli, faltando ainda provar-se nestas distâncias. Rota e Battistella são bons ciclistas na média montanha e devem manter os seus líderes resguardados de perseguições.

Países Baixos – Com Mathieu van der Poel no alinhamento as atenções estão voltadas para o inevitável neerlandês. E os Países Baixos deve jogar essa carta em pleno, tem elementos como Bauke Mollema ou Dylan van Baarle para se infiltrarem em movimentos perigosos, o seu líder tem de guardar a pólvora para o momento certo. Deve ser daqueles selecções a assumir as responsabilidades numa fase inicial, Van der Poel precisa de uma corrida dura.

Noruega – Podem jogar em vários cenários, um deles será certamente caso Alexander Kristoff passe as colinas todas, algo que consideramos tremendamente improvável. Bystrom e Tiller também sprintam bem em grupos reduzidos, enquanto ninguém sabe o que esperar do novo campeão mundial de contra-relógio, Tobias Foss. Não temos a mínima ideia do que a Noruega vai fazer aqui.

Eslovénia – As presenças de Per e Primozic dizem-nos que a Eslovénia vai querer gastar estas 2 cartas logo de início, perseguindo a fuga, impondo um ritmo mais elevado do que o normal para Tadej Pogacar. Novak e Polanc podem colocar um ritmo elevado nas subidas e Jan Tratnik está em grande forma e será o elemento escolhido para preparar o ataque de Pogacar. O vencedor do Tour em 2020 e 2021 precisa de muita velocidade para conseguir fazer diferenças quando lançar a sua ofensiva.

Suíça – Os grandes “dark horses” a par da Dinamarca e que chegam aqui com legítimas aspirações. Stefan Kung chega aqui sedento de vingança e confiança e até já foi medalhado em Mundiais de estrada. Este percurso ondulado é bom para ele, está mais do que habituado nas clássicas da Primavera, e se lhe derem uns metros nas descidas é quase impossível de apanhar. Mauro Schmid costuma andar muito bem em clássicas e Mundiais e é outro que não tem medo de atacar e arriscar. Pellaud, Bissegger, Dillier e Lienhard oferecem experiência e apoio, não tendo sprinters sabem que têm de esperar pelo momento certo.

Estados Unidos da América – Um claro desnível de qualidade entre Powless e Sheffield e os restantes escolhidos. Em condições normais um duo perigosíssimo, só que Powless parece ter queimado todos os cartuchos de 2022 e Sheffield caiu no contra-relógio. Se estiver recuperado o jovem da Ineos-Grenadiers tem aqui um traçado que lhe assenta muito bem, ainda é muito verdinho para este nível.



Portugal – Se quiserem um lugar honroso que dê um bom título no final para a notícia da Federação, a rondar o top 10/20 é fazer João Almeida aguentar com os melhores até ao limite, jogando de forma conservadora, indo sempre na roda. Se quiserem tentar ser protagonistas e jogar para as medalhas têm de ir infiltrando ciclistas nos movimentos perigosos e arriscar com João Almeida de longe, principalmente porque o português não é o melhor tecnicamente nas descidas.

 

Favoritos

Tadej Pogacar parece estar numa forma excelente, o que fez no G.P. Montreal foi muito especial, ao bater Wout van Aert no sprint, e o 6º posto no contra-relógio para alguém que não é um puro especialista é igualmente impressionante. O esloveno adora estes grandes momentos, já ganhou a Strade Bianche, já ganhou a Liege-Bastogne-Liege num sprint restrito e até o Giro di Lombardia, quer adicionar mais esta corrida ao seu palmarés. Pogacar vai querer uma corrida partida e atacada, tem de tentar arranjar aliados que não tenham medo de atacar de longe e já provou que ao sprint após um corrida longa e duro consegue bater quase toda a gente.

Poucos estão a mencionar este ciclista como um candidato, mas como somos meio malucos e este corredor nos faz todo o sentido, aqui vai disto. Stefan Kung este ano mostrou sinais de clara evolução nas subidas curtas e nas clássicas, fez uma campanha fenomenal, ao ser 5º no Tour de Flandres, 3º no Paris-Roubaix e 8º na Amstel Gold Race, todas estas corridas acima dos 250 kms, mostrando bem a endurance que tem. É um corredor que adora estas condições e grandes corridas, já vimos que este é um traçado que favorece os aventureiros possantes que assim que atacam é difícil serem apanhados. Está numa forma incrível, só perdeu o contra-relógio individual para Tobias Foss e ajudou a Suíça a conquistar o ouro no contra-relógio misto. Kung é daqueles corredores que não tem medo de atacar e de trabalhar com os melhores ciclistas do Mundo, tendo a noção de que ao sprint perde com quase todos.

 

Outsiders

Este traçado assenta bem a alguém como Mathieu van der Poel, o neerlandês é especialista em subidas curtas e inclinadas como o Mount Pleasant, este constante sobe e desce faz lembrar o ciclo-crosse. O neerlandês fez uma preparação peculiar, poucos dias de competição depois da pausa que fez após o Tour, é um caminho que faz lembrar no início do ano antes do Tour de Flandres, que culminou em … vitória. Van der Poel está ligeiramente mais contido, mas o mais certo é que abra as hostilidades entre os favoritos, não pode esperar pelo sprint, apostamos no ataque do holandês a 3 voltas do final, ele adora 1 hora de intensidade alta.



Wout van Aert é o favorito de muita gente e realmente é o corredor que pode ganhar em mais cenários. O corredor belga da Jumbo-Visma é o maior candidato num sprint mais alargado e num sprint mais reduzido. Há 3 questões sobre Wout van Aert, primeiro é o facto de muitas vezes falhar nos momentos chave, quer tacticamente quer fisicamente, nas grandes clássicas, o que leva a vários segundos e terceiros lugares, segundo é o facto de ser o ciclista mais marcado deste Mundial e ter a tendência para responder a tudo, terceiro no Canadá não pareceu em grande forma, especialmente em Montreal, ia baqueando face aos ataques de Yates e Pogacar e acabou por perder no sprint final.

Matteo Trentin tem vários factores a seu favor, daí a sua inclusão nesta categoria. O italiano está numa selecção fortíssima, o que lhe retira pressão e que lhe permite escolher com mais precisão o momento do ataque. Apesar de ter um excelente sprint final, não é ciclista de esperar pelo mesmo. É um ciclista extremamente vencedor (quase 3 dezenas de triunfos na carreira) e mostrou-se muito bem na Volta ao Luxemburgo, disputou quase todas as etapas. É alguém que adora corridas longas, foi 4º nos Mundiais em Bergen, 2º nos Mundiais em Yorkshire e campeão europeu em 2018 ao bater Wout van Aert e Mathieu van der Poel ao sprint.

 

Possíveis surpresas

Estando a 100% isto era um percurso incrível para Julian Alaphilippe, que parece muito longe da sua melhor forma e numa corrida destas isso paga-se muito caro. Benoit Cosnefroy foi chamado à última hora e pode custar-lhe caro o pouco tempo que se teve para habituar, mas é alguém capaz de sacar um enorme resultado quando menos se espera. Para Biniam Girmay estes 4000 metros de acumulado estão no limite da dureza que consegue aguentar, infelizmente deve estar muito sozinho na parte final e para fechar espaços gasta-se muita energia. O eritreu está a ir passo a passo na subida de rankings, um pódio já seria muito bom. Michael Matthews está a jogar em casa e é um dos mais seguros para um top 10, mas não vemos nenhum cenário em que o ciclista australiana vença. Remco Evenepoel vai ser um perigo à solta e a Bélgica deve jogar o recente vencedor da Vuelta de longe, a questão é que o belga completou agora a primeira Grande Volta da carreira, indo a um limite físico inusitado, fez uma viagem grande e ainda se desgastou no contra-relógio, será que ainda tem energia para uma corrida desta duração e dureza? A Dinamarca tem várias cartas a jogar, e tal como dissemos em cima gostamos muito das hipóteses de ciclistas como Magnus Cort, Alexander Kamp e Mikkel Honoré, certamente não vão ser muito marcados. Quinten Hermans surpreendeu com um pódio num Monumento este ano e será o ciclista escolhido pela Bélgica para seguir ataques mais perigosos em que Evenepoel e Van Aert não estejam, vai tentar aproveitar isso, numa tarefa parecida a Valentin Madouas na França. A Itália tem de jogar de uma forma bastante ofensiva e diferente, para isso vai ter de usar Alberto Bettiol e Andrea Bagioli, que surpreendeu ao aguentar com Yates, Van Aert e Pogacar no Canadá. Fred Wright teve uma derradeira temporada de afirmação e certamente adora este percurso ondulado como se viu no Tour e na Vuelta, será que ainda tem gasolina para andar a lutar entre os primeiros lugares aqui? Há mais alguns corredores para manter debaixo de olho, seja para um ataque final ou para um possível top 10: Mauro Schmid, Ivan Garcia Cortina, Christophe Laporte, João Almeida, Neilson Powless e Alexey Lutsenko.

 

Super-Jokers

Os nossos Super-Jokers são Tobias Foss e Kevin Geniets.



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