“A corrida começa hoje”. Foi a frase mais marcante do vídeo que a Jumbo-Visma publicou para celebrar o segundo triunfo de Primoz Roglic no Giro. O esloveno sabia bem o que estava a dizer, sabia que a 9ª etapa era crucial e não desapontou. O que é mais assustador para os rivais é que mesmo antes de Roglic começar o seu esforço individual em Riccione já tinha mais de 30 segundos sobre os seus rivais mais directos à priori. E um deles, Tom Dumoulin, já estava a assistir ao domínio de Roglic no sofá depois da queda.
O ciclista da Jumbo-Visma abriu a primeira semana a ganhar e terminou a primeira semana a ganhar, um domínio impressionante. Quase que dobrou Davide Formolo ontem e o cerrar de punho na chegada mostrou um sentimento de dever cumprido. Principalmente porque Simon Yates, sim, o mesmo Simon Yates que disse antes do Giro que os rivais deviam estar borrados, está a 3:46 de Roglic antes do primeiro dia de descanso. Roglic não se deixou intimidar e ontem no pódio até se deu ao luxo de festejar com o seu tradicional gesto de telemark, celebrando assim o passado dos saltos de esqui.
Yates teve uma quebra monumental, e ele próprio admitiu isso, os dois primeiros parciais no contra-relógio nem foram maus, mas mal a estrada empinou as pernas não responderam e isso não deixa de ser preocupante para alguém que fez uma preparação diferença da concorrência para este Giro, procurando também ajudar o seu irmão Adam. Yates está obrigado a atacar, todos estão obrigados a atacar.
Vincenzo Nibali é o rival mais próximo de Roglic, a “apenas” 1:44. O “Tubarão” tem estado bem, atento, ainda não perdeu ninguém importante na equipa, não caiu e tem tudo para fazer pódio. Analisando o histórico Nibali costuma ir de menos para mais nas Grandes Voltas e a 3ª semana é a sua praia. Miguel Angel Lopez foi outro dos grandes prejudicados ontem, já está a 4:29 de Roglic. Com alguns pódios em Grandes Voltas é certo que a Astana não se contentará com isso e Vinokourov já avisou que o Giro só acaba em Verona, é de esperar que a equipa cazaque rebente completamente com a corrida na alta montanha.
Na Astana Pello Bilbao não deve trabalhar, o espanhol é muito consistente e tem quase 3 minutos de vantagem sobre o seu líder à partida, se algo acontecer a Lopez ele será a carta do top 10 para os comandados de Vinokourov. O mesmo se passa na Movistar, apesar de problemas numa das etapas planas Carapaz tem mais de 1:30 à maior sobre Mikel Landa, que diz estar a sofrer de alergias e que ainda não deu um sinal positivo neste Giro.
Bauke Mollema surpreendeu ontem mas já é habitual o holandês ter 1 ou 2 dias geniais e depois quebrar de forma estrondosa na 3ª semana, podendo levar 40 minutos num dia, Ilnur Zakarin tem estado consistente, Hugh Carthy esteve num excelente nível (como já esperávamos) e a Bora-Hansgrohe tem a vantagem de ter os seus 2 líderes muito bem posicionados e poder jogar com isso e com o facto de muitos ciclistas com responsabilidade terem de atacar. Amaro Antunes continuará a ir de dia para dia e terá de aferir se quer atacar um top 15/top 20 ou apostar na conquista de 1 etapa na 3ª semana.
Quanto aos sprinters, o mais provável é após as 2 primeiras etapas da 2ª semana vermos uma debandada autêntica, até porque Ewan, Viviani e Demare devem fazer o Tour e porque Pascal Ackermann tem uma grande vantagem na classificação por pontos, que deverá ser dele caso complete a competição.
Resumindo, é verdade que Primoz Roglic tem uma vantagem enorme sobre os seus rivais e que falta aqui um Tom Dumoulin que teoricamente era o que lhe estaria a morder mais os calcanhares, mas ainda faz a alta montanha toda. Montanha que é o terreno predilecto de Nibali, Lopez, entre outros. Roglic está a um nível muito elevado desde o início do ano, a 3ª semana será sempre uma incógnita, até para ele. Lembrem-se de 2018 e da quebra que Simon Yates sofreu quando após 2 semanas parecia imbatível.
Nibali ainda irá melhorar e Lopez também, ambos já têm muita experiência de fazer geral de Grandes Voltas, ao contrário de Roglic e podem aliar-se, têm o luxo de ter Ion Izagirre ou Domenico Pozzovivo como gregários. E a perda de Laurens de Plus, braço direito de Roglic e que tinha no Giro o seu grande objectivo da temporada, pode vir a ser decisiva. Robert Gesink também se lesionou antes do Giro e o resto da equipa é extremamente jovem e frágil, o esloveno não se vai conseguir defender sozinho e as suas prestações nas jornadas com mais de 3000/4000 metros de acumulado ainda são uma incógnita. Outro factor a considerar é que Roglic desce muito bem, o que o pode “safar” em algumas situações.
Muitas dúvidas, muitas interrogações, nada como acompanhar ao detalhe o resto do Giro, há ciclistas e equipas que têm de atacar de longe! Uma coisa é certa, se todos antes do Giro tinham de estar borrados com Yates, todos agora estarão borrados com Roglic.