Subir na hierarquia do ciclismo tem destas coisas, uma facilidade crescente em atrair os melhores corredores e assim fortalecer ainda mais a base que por si já não é nada fraca. Foi isso que temos visto acontecer nos últimos anos com a Jumbo-Visma, que tem sido absolutamente genial nos mais recentes mercados de transferências e este ano a operação efectuada com pinças parece ir no mesmo caminho.
A formação neerlandesa anunciou ontem 2 contratações de peso. Falamos primeiro de, nada mais nada menos, do que o vencedor do Paris-Roubaix e 2º no Tour des Flandres este ano, Dylan van Baarle. O holandês de 30 anos está num absoluto ponto rebuçado e vem das 2 melhores épocas de sempre, lembrando que já em 2021 tinha ganho a Dwars door Vlaanderen e tinha sido vice-campeão mundial de estrada.
Começou nas escolas da Rabobank, actual Jumbo-Visma, passou pela estrutura da EF Education First de 2014 a 2017, antes de ir para a Ineos (na altura Team Sky) em 2018, fechando-se assim mais um ciclo de 4/5 épocas. Dylan van Baarle é um ciclista tremendamente eficaz e inteligente a correr, sabe perfeitamente que não é o mais explosivo, então usa as armas que tem muito bem, atacando de longe preferencialmente. Excelente sobre os paralelos, é um exímio rolador, anda bem no contra-relógio e é competente na montanha, o que o torna também extremamente útil nas Grandes Voltas, porque consegue proteger os seus líderes em todos os terrenos.
Para a Ineos-Grenadiers é uma perda de uma peça basilar, logo agora que finalmente cumpriram o sonho de conquistar o Paris-Roubaix e isso vai deixar marcas, mas a formação britânica parece ter uma fé enorme nos jovens que tem (Sheffield, Turner) não só para as clássicas. Esta saída de Van Baarle vai ter um impacto negativo a curto prazo, também para o bloco das Grandes Voltas, abrindo as portas a estes jovens a médio prazo, numa Ineos que claramente se está a virar mais para dentro e para os ciclistas britânicos.
Na perspectiva de Dylan van Baarle é essencialmente o encerrar de um ciclo e já vimos que o neerlandês tem feito ciclos de 4/5 anos, é normal sentir a necessidade de mudança, ainda por cima saindo com o sensação de dever cumprido. Vai para uma equipa da casa, onde pode comunicar mais em holandês, mas é claro e notório que desportivamente vai perder espaço, lembrando que tem a “concorrência” de Van Aert (o líder indiscutível), Laporte e Benoot nas clássicas.
Já para a Jumbo-Visma isto é uma transferência incrível, ficando com um dos blocos mais fortes de que há memória em tempos recentes para as clássicas, lembrando que para além destes ciclistas tem ainda Nathan van Hooydonck e Tosh van der Sande (isto retira indirectamente pressão dos ombros de Van Aert). Para além disso, Dylan van Baarle é dos melhores gregários para se ter numa Grande Volta porque faz quase o papel de 2 corredores devido à sua polivalência. Ou seja, até pode fazer as tarefas de Nathan van Hooydonck com a vantagem de ser melhor do que o belga na montanha, um bocadinho na linha do papel de Tiesj Benoot.
O segundo reforço anunciado foi Wilco Kelderman, alguém que foi 5º no Tour em 2021, 3º no Giro em 2020 e crucial para o triunfo de Jai Hindley este ano. O padrão mantém-se, é mais um neerlandês a passar uma das melhores fases da sua carreira a voltar a casa, lembrando que Kelderman tem 31 anos e que já passou por esta mesma estrutura entre 2010 e 2016 (2010 e 2011 na equipa de formação). Entretanto passou pela Team Sunweb e pela Bora-Hansgrohe onde teve oportunidade para liderar as respectivas equipas das Grandes Voltas.
É um ciclista extremamente regular quando não tem problemas físicos ou quedas, já tem 14 Grandes Voltas feitas e terminou 6 delas nos 10 primeiros, não sendo sempre o líder incontestado. Assinou por 3 anos, o que lhe dá outra estabilidade e cremos que o pensamento da Jumbo-Visma é levar Kelderman a 2 Grandes Voltas por ano, numa delas com liberdade para fazer a classificação geral (Giro) e noutra para ajudar um líder, sendo que estando Kelderman a outras equipas consideram-no sempre uma ameaça para a geral e a Jumbo-Visma pode jogar com isso, atacando e forçando perseguições.
A saída não afectará muito a Bora-Hansgrohe, que ainda conta com Higuita, Hindley, Buchmann e Vlasov, um bloco perfeitamente estabelecido e sólido, com Hindley à cabeça. E um dos factores que levou a Jumbo-Visma a contratar Kelderman foi certamente o Giro que ele fez ao serviço de Hindley. Entrou com o estatuto de liderança partilhada, perdeu algum tempo e depois disso não hesitou em deixar tudo na estrada pelo seu colega e foi, por exemplo, o que vimos Roglic fazer por Vingegaard neste Tour, quando já sabia que não tinha pernas para ganhar. É esta polivalência, solidariedade e organização que fazem com que bons blocos se transformem em grandes blocos e se construa uma verdadeira equipa e Kelderman mostrou esse altruísmo este ano.